COP26: A Pecuária é a responsável pelas mudanças climáticas? Por Marcelo Manella

Matéria originalmente publicada em www.noticiasagricolas.com.br

Durante a COP26, que aconteceu recentemente, o Brasil assinou um protocolo de comprometimento de redução de 30% nas emissões de metano até 2030. No radar da Conferência, a pecuária está como um dos principais emissores de gás metano na atmosfera. No caso do Brasil, estima-se que, do total de gases metano, a pecuária representa cerca de 17-19 % do total.

Como podemos ver abaixo (fig. 1), a emissão de gás metano total é cerca de 558 milhões de toneladas e dessas emissões, a agropecuária participa com 33%, combustíveis fósseis 18,8%, e a queima de biomassa 6,1%, de pântanos e áreas alagadas 30% e outras fontes 11,5%. Mas, quando consideramos apenas as fontes de causa da atividade humana, a agropecuária representa cerca de 58% das emissões.  Por outro lado, e pouco divulgado, precisamos entender o quanto de metano é retirado naturalmente da atmosfera através de reações químicas e pelo próprio solo: são cerca de 548 milhões de toneladas, o que gera um balanço positivo, apenas 10 milhões de toneladas/ano. É um cenário muito diferente que temos visto na grande mídia.

Voltando à pergunta do título: a pecuária é responsável pela mudança climática? A resposta é NÃO! Pelo contrário: ela é parte da solução. Para entender o motivo, é preciso entender que o metano emitido pelos animais ruminantes é cíclico e este ciclo é de mais ou menos 10 anos. Após este período, ele sofre reação química, chamada de oxidação fotoquímica, onde o metano é quebrado em CO2 + H2O, retornando ao sistema via fotossíntese das plantas, produzindo massa nas pastagens que serão consumidas novamente pelos animais, refazendo o ciclo. Isso sem considerar ainda o carbono retido no leite e carne que são produzidos pelos animais. Assim, ao considerar um rebanho com número estável de cabeças, a mesma quantidade de metano que ele emite anualmente é a que volta para o ecossistema. Assim, uma propriedade só vai emitir mais metano se aumentar o número de cabeças de gado.

Por outro lado, quando consideramos o uso de combustíveis fósseis, cuja fonte de CO2 está armazenada no solo por milhões e milhões de anos, ao ser jogada na atmosfera, permanece nela por 1.000 anos até retornar como biomassa aos solos. Este, sim, é um “novo” CO2 jogado no sistema, pois fica acumulado na atmosfera, conforme a capacidade das plantas e dos plânctons nos oceanos de tomarem novos CO2 vão se reduzindo.

Por que tanta preocupação com o metano da pecuária e com o Brasil se emitimos apenas 2,9% de todos os gases de efeito estufa no mundo todo? O metano realmente tem um potencial 28 vezes maior de aquecimento global em relação ao CO2. Mas, pelo seu próprio ciclo ser de apenas 10-12 anos, a redução das emissões de metano pela pecuária podem ser a forma mais rápida para ajudar o mundo a chegar a neutralidade climática. Assim, o Brasil se torna o centro das atenções neste quesito, pois temos 25% da população global de ruminantes no planeta. Novamente: precisamos entender que a pecuária não é responsável pela mudança climática!  Mas que a pecuária pode ser parte da solução para atingirmos a neutralidade climática, em especial a pecuária brasileira. Estudos apresentados na COP26 mostram que fazendas no Brasil podem reduzir entre 11 a 46% as emissões de metano ou, até mesmo, ter emissões negativas quando comparados com as médias globais destas emissões. 

Estas reduções podem ser atingidas, basicamente, de duas formas: a primeira atuando no sequestro de carbono e a segunda por redução direta na emissão do rebanho ou diretamente nas emissões entéricas de metano pelo animal.

A primeira opção, com sequestro de carbono, podemos englobar a produção com boas práticas de manejo e recuperação de pastagens, integração lavoura-pecuária (ILP), com ILP + Florestas (ILPF), reflorestamento, manutenção de APPs, entre outros. Tais práticas estariam diretamente relacionadas em aumentar o sequestro de CO2, pelo solo e produção de massa (forragem, florestas, etc). 

Estas práticas permitem a maior intensificação dos sistemas de produção, associados ao uso da suplementação mineral adequada, suplementos com protéicos energéticos e semi-confinamento e/ou confinamento. Com tais práticas, a propriedade apresentará gradativa melhora na eficiência produtiva, com aumento nas taxas de lotação, maiores taxas de concepção/desmama por vaca, ou, seja menos vacas para produzir mesmo número de bezerros, redução no tempo de abate e aumento no peso de carcaça. Resumindo: aumento na produtividade. Um exemplo simples: com a redução na idade de abate, por exemplo, no tempo de vida no animal de 36 para 24 meses em uma propriedade de recria/engorda já reduz, grosseiramente, 20-30% as emissões de metano, podendo produzir mais carne/ha, diluindo a quantidade de metano por kg de carne produzida. Outro potencial é a fonte de redução das emissões, considerando especialmente os confinamentos, é o manejo de dejetos, que levam a importante redução nas emissões.

Para potencializar as reduções de metano, já relacionado aos animais individualmente, é preciso considerar a modulação da fermentação ruminal com uso de substâncias, ou aditivos nutricionais, que promovam a redução entérica de metano. Para tal, os produtos precisam ter reconhecimento e aprovação de órgãos de reconhecimento internacional e aprovados pelo IPCC como a certificação Carbon Trust. Os extratos vegetais da SilvaFeed são Carbon Trust desde 2020, sendo certificados com potencial de redução entre 10 a 25% de metano por animal, além de propiciar incrementos nos ganhos produtivos.

Uma pergunta que frequentemente tem sido feita é: onde fica o produtor nesta história? No primeiro momento, os ganhos em produtividade por área e consequentemente na lucratividade da atividade. Em outro, seriam ganhos diretamente da cadeia para ajudar o país a atingir as metas. Outro ponto é que a União Europeia, bem como outros países importadores, no futuro, já sinalizam que vão “taxar” produtos importados em créditos de carbono. Ou seja, para se exportar precisa-se comprovar que o produto (carne/soja/milho/café, etc) tem o equivalente a redução a X Tons de crédito de carbono. Neste ponto surge outra oportunidade de renda ao produtor, pois o mesmo poderá comercializar estes créditos de carbono, desde que devidamente certificados por metodologias e empresas reconhecidas e aceitas pelo IPCC. Hoje o crédito de carbono é vendido em tono de US$10-12/ton de eq. CO2 no mercado internacional, e em breve, já em tramitação no congresso nacional, este mercado será normatizado e regularizado no Brasil.

Isto é possível? Sim, no estado da Califórnia, nos EUA, por exemplo, as leiterias tem a meta de reduzir a produção de metano para atingir a neutralidade climática até 2050. Atualmente, lançam mão do uso de ferramentas nutricionais, e manejo dos dejetos, e já atingiram, segundo informações do CLEAR Center da Universidade de Davis de 22% de redução, gerando uma renda extra ao produtor com as vendas de créditos. Calcula-se que uma propriedade com 3500 vacas, receba extra de U$350 mil/ano em créditos ou cerca de U$100/vaca/ano.

O Brasil não é o culpado pelas mudanças negativas, porém, as ações tomadas pelo país e pela pecuária serão parte da solução climática.